"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Atrás do Coelho da Porcalhota

Garanto que não é perseguição política! (apesar de falarmos no... Pedro dos Coelhos)

O coelho bicho que se come – bicho estimável... – fez-me procurar receitas e atrás das receitas vêm sempre histórias. É como as cerejas!...

A propósito do coelho na Porcalhota, encontrei inúmeras referências a um “Pedro dos Coelhos” ou “Pedro da Porcalhota”, que se destacaria pelo seu arroz de coelho e pelo coelho guisado (“à moda da Porcalhota” ou “à caçadora”, porque, afinal, a receita será a mesma ou muito aproximada).
Tratava-se de Pedro Franco, figura lendária da Porcalhota, hoje nome de rua, nascido quando reinava D. Maria II e falecido em 1906 ou 1907, com cerca de 60 anos.

O Notícias da Amadora de 27 de Junho de 1959, apresenta-o: «(…) Pedro Franco, figura austera e de respeito, cioso das suas suissas fartas, amigo do seu amigo, além de ter sido o mais hábil cozinheiro da Porcalhota e arredores, foi também regedor nesta terra que ele muito estimou.»
O seu restaurante, com o famoso coelho que lhe fez ganhar a alcunha, era ponto de atracção.
Júlio Cesar Machado escreveu no Diário de Notícias que «Há tanto tempo que aquela casa amanha os coelhos com proveito e glória que, em o dono da locanda indo chamá-los ao pátio, já eles vão por si mesmo formar em linha e oferecer as orelhas para levar o piparote e morrer. Lê-se na parede "Antiga casa do belo petisco do coelho"’.»

Retrato de Pedro Coelho ao lado do
edifício onde ficava o seu restaurante
Uma pequena canção popular que estaria em voga na Porcalhota, no princípio do século XX, põe os seus versos na boca do coelho:

Eu sou o coelho manso
um petisco preferido
com batatas pulo e danço
e com arroz sou envolvido.
Sou refogado bem misturado
com azeitonas e salada,
e vem gente de Lisboa
que grita sem hesitar:
«mate um coelho patroa!
E catrapuz... dá-me um ar».

O prédio em que se localizaria o restaurante, num 1.º andar, foi demolido, perdendo-se os azulejos da frontaria, com a identificação da antiga "Casa de Pasto", e um conjunto de pinturas decorativas das paredes interiores, com motivos campestres. Nas salas haveria versos escritos nas paredes, “alusivos à presença dos janotas dos finais do século XIX que frequentavam os ‘tascos’ fora de portas.”

Quanto à carne de coelho, porque sempre envolveu desconfianças, diz-se que o bicho era, muitas vezes, esfolado e cozinhado à vista do freguês.
Sobre essas desconfianças, numa muito antiga “revista à portuguesa”, a figura que personificava a nova localidade da Amadora cantava:

«Minha mãe, a Porcalhota,
Lá vivia num casebre,
Fazendo muita batota
Vendendo gato por lebre.»

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