"Quando todos os cálculos complicados se revelam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a dizer-nos, é desculpável que nos voltemos para a chilreada fortuita dos pássaros ou para o longínquo contrapeso dos astros ou para o sorriso das vacas."
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (revista e acrescentada por Carlos C., segundo Aníbal C. S.)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Ruy Belo

Morte ao meio-dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo, Boca Bilingue (1966)

Ruy Belo nasceu a 27 de Fevereiro de 1933, em S. João da Ribeira (Rio Maior).


Casa onde nasceu Ruy Belo

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Poesia na pintura - Renoir

Pierre-Auguste Renoir nasce a 25 de Fevereiro de 1841, em Limoges.

Renoir, Gabriell et Jean
Uma das várias pinturas em que representa o seu filho, o futuro realizador de cinema Jean Renoir, e Gabrielle Renard, prima de sua mulher.
Gabrielle, que em 1894 foi viver com a família Renoir para tomar conta dos seus filhos, tornar-se-ia a modelo favorita do pintor.


Cesário Verde

Cesário Verde nasceu em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855.

Em 1872, foi introduzido pelo seu pai, comerciante instalado de ferragens, algodões e tamancos, "nos mistérios do comércio" - passou a fazer a escrita dos negócios do pai.
A loja ficava no gaveto entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Alfândega. O escritório "transformou-se num posto de observação".

«A vantajosa situação do estabelecimento proporcionava a Cesário que aí começou a trabalhar nos princípios de Janeiro, a visão de duas cidades diferentes. Do lado do rio estava a Lisboa industrial, marítima, dos calafates e das varinas, dos arsenais e das oficinas, dos cais a que se atracam botes; do outro, Lisboa mercantil, burguesa, dos magasins, das costureiras e das elegantes curvadas, a sorrir, às montras dos ourives
João Pinto de Figueiredo, A vida de Cesário Verde




segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pacto

Do pacto que o Verbo celebrou comigo
há sempre um artigo que sempre subsiste

Deixar que as palavras apenas exprimam 
o que sem palavras tentava exprimir-se

Deixá-las que rompam da noite da vida 
para que suspendam a morte do dia

David Mourão-Ferreira, Os Ramos Os Remos


David Mourão-Ferreira, nasceu a 24 de Fevereiro de 1927.


domingo, 23 de fevereiro de 2014

Um país pouco adequado


Público (hoje)


190 espécies de lapas...

... e outras tantas formas de as cozinhar?


Uma vez nos Açores disseram-me que havia duas espécies de lapas: as mansas e as bravas.
Ambas são comestíveis!


Lisboa - a 23 de Fevereiro

Aos 31 anos de vida como professor...



Por S. Vicente de Fora... 


E o rio ao fundo, em frente ao Seixal.


O que faz falta!!!



E um José Afonso que nos cante!!!


Casa da Cerca, em S. Pedro de Estoril

Finalmente, aproximei-me da Casa da Cerca (S. Pedro de Estoril), onde em 24 de Novembro de 1973 se deu uma importante reunião do Movimento das Forças Armadas - ver aqui.

Hoje, uma ruína.




De volta...

A política a subir de nível...




sábado, 22 de fevereiro de 2014

Reflexões sobre a arte moderna

Numa galeria italiana de arte, a empregada de limpeza enviou para o lixo componentes da instalação de arte ali exposta, por pensar que era... lixo.
O autor da obra artística - avaliada em 15 mil dólares - pretendia que a instalação "interagisse directamente com o espaço". Por essa razão, alguns elementos (incluindo jornais, cartões e miolos de biscoitos!) estavam, de propósito, espalhados pelo chão.
Dizem que os estragos vão ser cobertos pelo seguro.

Alguns pontos de reflexão:
Alguma arte contemporânea parece confundir-se com lixo.
Acho que há uma tentativa clara de ludibriar a companhia de seguros. O seguro vai cobrir o quê? Jornais velhos? Cartões? Miolos de biscoitos?! É tão fácil de fazer - ponham lá meia dúzia de miúdos a comer biscoitos e a interacção será enorme.
Queixam-se de quê? O objectivo do artista parece ter sido plenamente conseguido - nunca a interacção de uma instalação com o espaço (e um observador crítico e interessado desse espaço) poderia ter um resultado mais eficaz.
A empregada deverá ter uma boa avaliação no desempenho das suas funções. E deveria, ainda, ter um aumento, porque a sua intervenção, sendo notícia, terá servido para uma divulgação ainda mais alargada da exposição.



Imagens de uma outra instalação onde uma outra empregada diligente resolveu pôr a instalação no lixo - Eyestorm Gallery, Londres, instalação de Damien Hirst (2001).


P.S. - Quando a senhora que mora cá em casa me disser que tenho as coisas desarrumadas, explico-lhe que não se trata nada de um desarrumo mas sim de uma instalação de arte. 




Bom dia, com Maria Keil




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Feeling Good

Nina Simone (n. 21 de Fevereiro de 1933)



Bom fim de semana.


Joana d'Arc

A 21 de Fevereiro de 1431, iniciou-se o julgamento de Joana d'Arc.

Heroína na Guerra dos Cem Anos, foi sujeita a um processo por acusação de heresia. Seria queimada viva, em Rouen, em Maio do mesmo ano. Ainda não tinha completado os 20 anos de idade.

Aquela que foi condenada por bruxaria, foi canonizada em 1920 por Bento XV e declarada padroeira de França (1922).
As voltas que o mundo dá!...
Um mundo de amor e ódio.




terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Miguel Ângelo

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (dizem), Miguel Ângelo para os muitos íntimos, escultor, pintor, arquitecto e mais qualquer coisa que fosse, morreu há 450 anos, na cidade de Roma.




Quando corpus morietur


Stabat Mater, de Antonín Dvorák, dirigido por Giuseppe Sinopoli
(a última gravação de Sinopoli)


domingo, 16 de fevereiro de 2014

À sombra de Camões

Poeta amigo me fez encontrar um poema que alguém atribui a Diogo Bernardes.
Mas também há quem o atribua a Camões.
E descobri a disputa da autoria de mais sonetos entre estes dois poetas. Dizem as más línguas que Diogo Bernardes, que viveu até mais tarde que Camões, terá editado como seus versos que eram do outro.
Sobre este soneto, disse Manuel de Faria e Sousa, erudito da primeira metade do século XVII, "não ter o mesmo Bernardes cabedal, não só para o fazer, mas nem ainda para o entender".
Será, então, de Luís Vaz...

Que doudo pensamento he o que sigo?
Apoz que vão cuidado vou correndo?
Sem ventura de mi! Que naõ me entendo;
Nem o que callo sei, nem o que digo.

Pelejo com quem trata paz comigo;
De quem guerra me faz não me defendo.
De falsas esperanças que pertendo?
Quem do meu próprio mal me faz amigo?

Porque, se nasci livre, porque me captivo?
E pois o quero ser, porque o não quero?
Como me engano mais com desenganos?

Se já desesperei, que mais espero?
E se inda espero mais, porque não vivo?
E se vivo, que accuso mortaes danos?

Será pelo indevida apropriação que Camões está com este ar...


Hoje à tarde, bebi um café à sombra deste Camões, ainda sem saber o porquê de tal fastio...


Ritual aquoso

Cveto Marsic - Ritual aquoso
 Está exposto no Centro Cultural de Cascais.

O ritual d'ir ver o mar

Carlos Paredes

Recordar Carlos Paredes, nascido a 16 de Fevereiro de 1925.


Lindo!


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Uma abertura no cinzento


Hoje à tarde


Vende-se





Submarinices

Público, ontem


Todos nós vivemos [submersos submergidos] neste submarino amarelo laranja...


As coisas

Há em todas as coisas uma mais-que-coisa
fitando-nos como se dissesse: "Sou eu",
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.

Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fossemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.

Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconhecemos.

Manuel António Pina, Como se desenha uma casa



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Dia Mundial da Rádio


A UNESCO declarou, em 2011, o dia 13 de Fevereiro como o  Dia Mundial da Rádio.
Foi a 13 de Fevereiro de 1946 que a United Nations Radio emitiu, pela primeira vez, um programa em simultâneo para 6 países.



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

It's time for a cowboy to dream

Sun is sinking in the west
The cattle go down to the stream
The redwing settles in the nest
It's time for a cowboy to dream



Autênticos cowboys!!!

P.S. - São as saudades do Sol


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O lastro da memória, lastro das palavras

«Nós em termos culturais e civilizacionais explicamo-nos por uma acumulação de memórias, tradições, práticas, muitas vezes milenares. Muitas vezes, recuperar essa memória é um acto perfeitamente involuntário. Surge. Surge no próprio interior das palavras. Nós pegamos n'Os Lusíadas e vemos Camões, no ponto central do poema, ir fazer uma evocação dos episódios da Odisseia. Os Lusíadas são de 1572, portanto isso passa-se uns 2300 anos depois da Odisseia. Isso quer dizer alguma coisa. Nós temos uma memória cultural que está intrínseca nas próprias palavras, além de estar nas obras com que contactamos. E isso vem à tona, e não vem propositadamente. Vem porque faz parte das nossas necessidades de expressão. Isso acontece-me muitas vezes, mas não só com a literatura, acontece-me com a pintura, a música, o cinema. Há um adensar quer da preocupação cultural quer da expressão daquilo a que podemos chamar os grandes problemas da condição humana, quer da simples tradição transgeracional de informação e de factos que acaba por confluir na escrita. Nem nós nos podemos explicar sem isso.
Um dos grandes problemas da jovem literatura, e eu faço parte de vários júris literários e portanto posso falar com algum conhecimento de causa, é que a maior parte dos autores que concorrem não leram nada do Saramago para trás, se é que leram Saramago. Desconhecem completamente o património que está ao serviço deles e que poderia explicá-los. E isso vai ser uma tragédia.»
Vasco Graça Moura, entrevista à Ler, Janeiro de 2014

Falta lastro a quem nos representa.
A tragédia já começou.


P.S. - Por lapso, na 1.ª transcrição do texto, saltei a parte sublinhada, o que adulterava o sentido do mesmo. Convém repor a verdade.


Lá vai um, lá vão dois... lá vão oitenta e cinco

Há pouco mais de 6 meses, foi notícia a saída do país de um quadro do veneziano Carlo Crivelli, Virgem com o Menino, Santo Emídio, São Sebastião, São Roque, São Francisco de Assis e o Beato Tiago da Marca, propriedade do empresário Miguel Pais do Amaral.
Em 2012, as autoridades portuguesas tinham anulado as protecções legais que impediam a saída desta pintura de 1487, considerada uma peça “absolutamente extraordinária” pela antiga directora do Instituto Português de Museus, Raquel Henriques da Silva.

A Direcção-Geral do Património tinha dado um parecer negativo, mas a Secretaria de Estado da Cultura (à época, com Francisco José Viegas à frente) autorizou. Em Paris, ofereceram 3 milhões de euros pela pintura. 

Agora, a história dos quadros de Miró pertencentes ao BPN (ou à Parvalorem, que faz a gestão dos fundos tóxicos daquele banco) recupera o bom estilo trapalhão/"chico-esperto" de quem nos governa. 
E os detentores/gestores do capital governam tanto ou mais que os senhores que estão no Governo em resultado do voto popular.



Suiça irá referendar a livre circulação de capitais?



Suíços contra a livre circulação de emigrantes - mas o dinheiro pode continuar a circular, não pode?


Irrevogável



"Posso recuar na minha demissão do Governo, mas na factura da sorte... 
Nem pensem! Irrevogável!!!"


domingo, 9 de fevereiro de 2014

La tempesta di mare



Uma semana com mais Sol


Da minha janela...

Ao final da tarde...

lá longe


o Sol ainda brincou


É o vento que me leva


Foz do Douro  (foto de Adão Vaz)

É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
Miguel Torga, 


Fizeram estes dias assim

«Sempre achei nos dias cinzentos e chuvosos algo de acolhedor. A luz não é tão ríspida, e dir-se-ia que as nuvens são como cortinas que tiram aos raios de sol a intensidade mortal. Depois, as janelas são bons olhos para olhar a chuva, e a água a correr tem cantar de regato e refresca. A terra surge então perfumada e cheirosa.»
Inácio Pignatelli, Lembranças da chuva

"as janelas são bons olhos para olhar a chuva"
Roubei a uma amiga.
A fotografia é da filha.

Peço desculpa por estas pequenas infracções. 


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sicilianada

Leio no DN que, na Taça da Sicília em futebol, o Borgata Terrenove ganhou ao Bagheria por expressivos 14 - 3.
Os números são estranhos.
Mais estranho o facto de 8 golos do Borgata terem sido marcados nos últimos 10 minutos.
Ainda mais estranho o facto de terem sido 8 golos na própria baliza, marcados por 3 jogadores diferentes - ser sempre o mesmo levantaria suspeitas!

O Borgata pôde seguir em frente na competição.
A Federação Italiana de Futebol desconfia de... corrupção e de farsa desportiva.
Não sei porquê! Marcar 8 golos na própria baliza em 10 minutos acontece, mesmo aos melhores!


Claudio Arrau & Debussy

Claudio Arrau (nascido a 6 ou a 7 de Fevereiro de 1903).



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Que se há-de colher senão vento?

«[O lavrador evangélico] semeou uma semente só, e não muitas, porque o sermão há-de ter uma só matéria e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta variedade não podem colher cousa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o Norte, outro para o Sul, outro para Leste, outro para Oeste, como poderia fazer viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para o vento, outro assunto para outro vento, que se há-de colher senão vento?»
Padre António Vieira, Sermão da Sexagésima

Padre António Vieira
nascido a 6 de Fevereiro de 1608

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014